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segunda-feira, agosto 06, 2007

Na condução




Por conta de minhas 16 horas de trabalho consecutivas no dia de ontem, pude chegar na agência um pouco mais tarde hoje. O capital que apropria mais-valia é o mesmo que acaricia, não?

Feliz e contente, pego o coletivo de 10:30 que traz os infelizes de Niterói até o sempre fresco e tranqüilo Rio de Janeiro. Certo de que faria uma viagem de paz e tranqüilidade, me acomodo em um dos bancos altos (adoro o banco alto) e me preparo para uma extensão da minha curta noite de sono. Achada aquela posição anti-torcicolo, Morpheu já se posiciona para tomar-me em seus braços...

No ponto seguinte, um grupo de uns 20 adolescentes adentra o recinto. Diante do presságio de barulho, com apenas um dos olhos abertos, avisto que todos carregam uma mesma bolsa verde musgo horrenda. Nessas horas, meus óculos pára-raios de alternativos servem para algo mais além de me deixar com cara de cientista louco.

26º Concurso de Matemática. (aconteceram outros 25?)

Abro os dois olhos. Ser adolescente é esquisito, eu sei, já fui um. Você é desproporcional, instável, suscetível a influências de todo canto, cheio de conflitos e o pior, usa roupas que vão te proporcionar um baita arrependimento no futuro. Para esses, em especial, esse último aspecto vai ser determinante.

Ser adolescente e gostar de matemática é mais esquisito ainda. Ser adolescente, gostar de matemática e ainda por cima participar de um concurso é um ultraje. Onde estão os pais desses garotos, minha gente?

Sempre fui inoperante em matemática. Até no bê-a-bá do primário eu era imprestável (ainda se fala primário? A impressão que tenho é que a cada dois anos eles mudam os nomes para tornar tudo mais fácil e melhorar os indicadores sociais). Uma vez a Tia bateu com o livro de matemática na minha cabeça por que eu não conseguia fazer a tabuada de três. Mamãe foi na escola e foi um vuco-vuco só!

Daí você tira o porquê de eu ter feito publicidade, ficar no trabalho até altas horas da madrugada e ainda assim não ter um puto sequer. Se eu fosse menos imprestável em matemática, poderia ter um emprego bonito até as seis da tarde, usar sapato caramelo combinando com cinto caramelo e ter uma conta bancária menos sofrida. Esquece...a parte do sapato e cinto caramelo inviabiliza tudo.

Mas então, como era de se esperar, os danados dos nerds desembestaram a fazer cálculos em voz alta e gritar uns com os outros. Divertido, né? Um tal de raiz de não sei quanto, porcentagens e juros e não sei lá mais o que. E minha matemática é simples, só quero uns minutos de sono...só isso.

Pra completar a diversão, um grupo de adolescentes surdos também inventa de pegar o mesmo ônibus que o infeliz aqui. Os surdos são comuns nessa linha, por causa da Escola Nacional de Deficientes Auditivos que fica a um ponto antes do que salto. Os acho fofinhos demais. Só me preocupo quando resolvem, no meio de uma curva fechada, conversar uns com os outros. Certa vez, a moça caiu quando gesticulava algo com muita indignação. Supus ser relacionado à nota de alguma matéria, uma vez que segurava um papel com vários riscos vermelhos.

E para quem pensa que eles são silenciosos, ledo engano. Dois surdos fazem mais barulho que a torcida do flamengo. Agora imagine 10?

E essa foi a viagem. Entre um barulho dos surdos, eu ouvia uma e outra equação e vice-versa. Essa coisa de pertencimento social é séria, né não? Como eu não era nem surdo, nem bom de matemática, me senti meio “com quem eu brinco então”?

Sono? What for?
Eu ainda insisto em pegar ônibus, né não? Só aparece encosto no meu caminho!


>Texto que deveria ser postado na sexta, mas infelizmente não rolou mesmo.
>Ilustração por Bruno Bottino

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