Saio de casa atrasado para mais um odioso capítulo de
Lipe e a Dinâmica de Grupo. Um engarrafamento monstro. Oito da manhã e já está tão quente que não se pode pensar. Maldito Rio de Janeiro! O calor é tanto que a porra da cera que inventei de passar no cabelo escorre pela minha testa afora. Merda, vou chegar lá com um
look vela derretida! Super
out. O ônibus com ar condicionado, claro, não passou e o corno aqui entrou no calorento mesmo.
E lá vou eu tentando me refrescar com o vento que entra tímido por entre a frestinha da janela aberta pela vaca sentada no banco da frente. Todo educado, pedi por obséquio para que ela abrisse a janela toda.
_É porque vai estragar meu cabelo – alegou a sonsa.
Sim, isso porque ela estava com aquela escova vencida, sabe? Daquelas feitas para uma festa na semana anterior? Os fios nem estavam mais divididos em mechas e sim em partidos políticos. 100% sebo (nojo).
Achei uma angulação favorável e resolvi praticar minha capacidade de abstração. Já quase pegando no sono, uma mulher se senta ao meu lado. A expressão
se senta é por minha conta, porque o resto do mundo iria preferir usar algo como
invasão abrupta. Olhei para ela com minha tradicional cara de
dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, mas a mocréia estava ao celular e com cabelo na frente da cara.
Entretanto eu não fui o único sortudo a perceber a presença da moça não. Seu perfume era tão incrivelmente doce que o ônibus todo olhou para traz. Juro. A menina da escova podre até reconsiderou e abriu a janela. Nada que trouxesse grande alívio porém.
Sem brincadeira, aquela fragrância bota os fedidos
Toque de Amor e
Charisma da
Avon no chinelo. Colei no canto do coletivo. Logo percebi que não se tratava de uma moça. Sabe essas coroas gostosonas? Hummm, como posso definir? Essas que usam roupa de garotinha e ficam fazendo charminho e pose sensual? Bem, para ficar mais elucidativo ela tinha mais ou menos a cara da
Rosa Maria Murtinho, o jeito da
Lady Francisco e o corpo da
Gretchen. Mais ou menos isso.
Mas o pior estaria por vir. O muito pior. A ponte Rio-Niterói totalmente parada. A coroa desligou o celular e passou então a mexer os cabelos molhados de um lado para o outro, meio que dando uma sacudida. Olhei novamente para ela, agora com minha cara fulminante de
meus óculos escuros não têm pára-brisa.
Ela, toda faceira, tentou aplacar a minha raiva soltando um meio-sorriso sensual o que me deixou um tanto assustado. Pude reparar melhor na figura. Percebi as nuances da pele enrugada e super-bronzeada; o batom de um tom laranja com contorno dos lábios feito com lápis de olho marrom (ui); e o mais intrigante de tudo, aquele espesso risco prata na pálpebra. Quem ainda usa lápis prata em cima dos olhos, minha gente? Isso era moda em sei lá...Suave Veneno, no personagem da Letícia Spiller. Só. Acabou.
Voltei-me para o meu eu interior, o que julguei mais apropriado naquele momento. Dizem que se a gente se concentra muito consegue esquecer do que se passa em volta. Mas esse meu lado oriental veio do Paraguai e não funciona muito direito.
Como se não bastasse aquele aroma penetrando em meus pensamentos, a Fulana tirou um segundo celular da bolsa e começou a ligar para todo mundo da agenda. Advinha!? Ela tinha comprado um celular novo e mudado de operadora. E é lógico que ela tinha que anunciar isso com uma voz muito estridente às oito da manhã enquanto o idiota aqui tentava se concentrar para uma meleca de dinâmica de grupo. Por que o mundo tinha que acordar sabendo que a maldita havia trocado de celular, me diz?
Na boa, foram umas vinte ligações sempre iniciadas com um
“advinha quem éeeeee” seguido de uma risada fina e profundamente irritante. Isso quando ela não se empolgava e jogava o cabelo mal enxaguado de um lado pro outro deixando meu ombro emplastrado de condicionador, ou melhor, creme rinse, para usar um termo do tempo dela.
Assim não rola. Cheguei lá na parada tão tenso, fedido e mal humorado que a própria recepcionista já me reprovou. Depois falam que eu não me esforço. Se isso não é esforço, o que é então?