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sexta-feira, julho 27, 2007

La vergüenza

O telefone tocou aqui na agência e como todos trabalham autistas com gigantes fones de ouvido, atendi todo solícito.

_Vêmaiszeam, boa tarde.

Eis que uma voz embaralhada surge. De pronto identifiquei uma espécie de dialeto latino e de início fiquei um pouco encabulado. Mentira, claro. Eu lá fico encabulado com algo?

Oba, uma ótima oportunidade para treinar meu já capenga espanhol – pensei.

Danei a falar um diabo de idioma tão canastrão que me senti um contrabandista paraguaio legítimo. Mas julguei satisfatório até. Milênios sem falar catibiriba de espanhol.

Entendi que era para Renata. E não podia ser para outra pessoa. Ela é a mulher mais cheia de contato com estrangeiro que eu conheço. É uma italianada, espanholada, argentinada...uma coisa! Uma verdadeira babel dentro dessa agência!

Passei o telefone para ela todo orgulhoso, com o sentimento de missão cumprida. Me comunicara com o moço em espanhol e agora, dignamente, passava a bola para que ela se virasse. Ainda fiz sinal de que se precisasse de algum esclarecimento, eu estaria à disposição.

Arrasei – concluí todo proza.

Achei um pouco estranho que ela estivesse se comunicando em português, mas nem todo mundo tem essa minha versatilidade, não é mesmo? Preferi pensar que o homem estaria em franco processo de aprendizagem de nossa língua e havia exigido que fosse assim.

Ao desligar, a maldita me fala com maior desfaçatez possível que o tal bofe era o seu amigo português que mora no Canadá e está vindo para o Brasil. E por que cargas d´água ela não me disse antes?

Maldição. Deixou-me achar que estava arrasando no espanhol. O maldito do gajo devia estar se acabando de rir da minha cara enquanto comia um pastel de santa clara.

Como é esse lance de globalização, né menina? O português mora no Canadá e liga para o Brasil para falar com sua amiga. Um otário atende sem nenhuma noção de nada nessa vida e fala com ele em espanhol.
É oficial, agora eu pago mico também em outras línguas.

Vou ouvir Shakira e desejar não ter nascido.

quarta-feira, julho 25, 2007

Surdez parcial

Não tenho mais espaço para comentários no blog e pretendo permanecer assim por bastante tempo. Não acho muito necessário. Na verdade, nunca achei.

Isso pode parecer egoísta, mas escrevo para me satisfazer apenas. E desde o início foi assim, quando essa espelunca ainda dava expediente no blogger brasil, da famigerada Globo.com.

E tem o fato de ficar totalmente fora dessa modinha blogstar de contar o número de comentários, ainda que eles digam apenas "curtiiii seu bloguii...passa no meu".

Portanto, caso esteja sem nada pra fazer da vida e queira falar algo bem relevante, pode escrever um email. Emails são tão mais pessoais e identificáveis, não?


Manda ver:
lipeburger@yahoo.com.br

terça-feira, julho 17, 2007

No armário


Mesmo com muita vontade de escrever, me faltavam histórias hoje. Nem um pensamentozinho sequer passa por essa mente preguiçosa e inerte. Há horas em que eu realmente acho que minha cabeça só foi feita para abrigar essa massa revolta de cabelos na qual Caetano deve ter se inspirado para escrever “gosto muito de você leãozinho”.

Mas eis que Julia, a grande fábrica de histórias e personagens mundial e maior detentora de conhecimento acerca dos programas do Office que existe, vira de seu concentrado estudo da novela das oito e resolve contar-nos um fato. Uma pérola que vou tentar aqui reproduzir sem exageros dessa vez. Oquei, essa parte do exagero é para não considerar.

E claro, os nomes são fictícios para preservar a identidade das pessoas e dar aquele clima de Linha Direta todo especial.

Mário é um jovem rapaz gay muito feliz e contente. Como todo rapaz gay feliz e contente, ele é detentor de um amplo círculo de amigos gays felizes e contentes.

Mas não só isso. Mário também tem bons amigos heterossexuais com quem se diverte, faz trabalho antropológico de campo e ora ou outra, dá dicas de moda importantes.

Cleide era uma delas. Adoravam sair juntos e comentar as coisas da vida, as roupas das pessoas, as novas coleções da temporada de Milão. Certo dia ele a salvou de usar uma sandália com solado de cortiça e até hoje ela lhe é muito grata. (Não é pra menos, né?) Em um desses animados papos, eles acabaram por descobrir um amigo em comum. Oba!

Que coincidência – pensou ela. Conhecia Eclésio - o amigo - desde pequena e não tinha a mínima idéia de que ele trabalhava na mesma empresa que Mário. Animada, contou-lhe vários momentos maravilhosos que viveram juntos no colégio onde estudaram.

Após mais uma caipirinha no crânio, Cleide resolveu radicalizar o rumo da prosa, repleta de amenidades até então. Em tom de segredo, anunciou que contaria algo muito sério acerca de Eclésio e claro, pediu discrição.

Um trauma. Um drama. Uma coisa muito difícil de superar, mas que ela tem o orgulho de ter participado de forma decisiva nesse momento. Até hoje, Eclésio não lidava bem com o tal lance bombástico a ser anunciado. Com o rosto bem próximo ao de Mário, ela confessou:

_Eu o ajudei a sair do armário – disse taxativa enquanto segurava firme as mãos de Mário.
_Sério? – estranhou o rapaz.
_Juro. Não conte a ninguém, por favor.
_Menina, mas ele parece tão bem resolvido. Anda pelo corredor da empresa fazendo a Gisele sem dar a mínima para o que os outros pensam.

Nesse momento, Mário percebeu que algo estava errado. Cleide mantinha um olhar perdido e as mãos levadas à boca como quem contém um grito. Será que havia dito uma besteira? Reviu mentalmente seu discurso e não encontrou nada que pudesse ter ofendido a menina. Talvez a parte da Gisele, mas se eles eram tão amigos assim, saberia que Eclésio era uma gazela farfalhante!

_Mas eu não entendi – argumentou chocadésima. Você quer dizer que ele é gay?

Essa menina tem problema? – pensou Mário. Ouviu, sem tirar nem por, que a gansa o ajudara a sair do armário e agora pergunta assustada se o bofe é gay? E o rapaz em questão era quase uma trava, o que fez com que Mário ficasse em dúvida entre dar-lhe um abraço, um ocadil ou o cartão de seu oftalmologista.

_Você não falou que o ajudou a sair do armário, criatura? Por que agora está toda chocada?
_Falei que o ajudei em um trauma – explicou quase chorando. Quando éramos pequenos, os meninos mais velhos o trancaram em um armário. Ele permaneceu por horas gritando até que eu o tirei de lá.

Cleide não acreditava que o amigo de infância não havia lhe contado de sua já estabelecida boiolice. Logo ela que o ajudou a sair do armário? Do físico, claro.

Mário é um excelente mercado consumidor para o buraco negro portátil, uma ferramenta que o blogueiro que vos escreve inventou para fugir de suas próprias gafes. Basta joga-lo no chão e ficar lá quietinho até que a vergonha passe. Não mais atender telefone e inventar uma viajem ao Nepal também valem.
>>>Ilustração por Bottino
Dedicado à Julia Medeiros, a aniversariante mais fofa do mês.

quarta-feira, julho 11, 2007

Mazelas de um gordo

Primeira Parte - Boca fechada não magoa amigo


Segunda, 9 de julho.

A fila do elevador, não sei a razão, impele as pessoas a falarem coisas que não devem serem ditas, já percebeu? É um mistério para o qual a filosofia moderna ainda não atinou.

Semana passada, enquanto esperava o elevador com uns colegas (adoro falar colega, é tão chique) de trabalho, quando Renata, tomada pela falta de noção característica das filas de elevador, simplesmente decreta:

_Você está engordando, não está?

Pensei em fingir que se tratava da menina parada a minha frente, mas além da maldita magrela pesar 3 quilos apenas, Renata – eficientíssima - se preocupou em delimitar claramente o receptor de sua mensagem apertando o entorno de minha cintura, que me recuso terminantemente a chamar de banha.

Comecei, determinado, uma dieta. Fui ao restaurante natureba aqui perto e enchi meu bucho de tofu e carne de soja e tudo de soja que existe no mundo. Estou fedendo a soja e com uma fome lancinante.

Vou passar a usar as escadas do prédio também. Os elevadores não são seguros.





Segunda Parte - Lasanha do Capiroto

Terça, 10 de julho.

Sou deveras persuasivo. Convenci hoje metade da agência a pedir comida em um outro restaurante natural do qual nunca tínhamos ouvido falar. No outro lado da linha, um senhor com sotaque paraguaio me citou o longo cardápio do dia de três opções.

Eu e Bruno escolhemos a Lasanha Verde, descrita como tiras de berinjela e abobrinha com recheio de espinafre e ricota. Até que parece bom, né? Mesmo de dieta, julguei que me faria bem comer algo que atende pela alcova de lasanha.

Renata, sim, a que me chamou de gordo no elevador, optou por uma batata com frango e legumes grelhados. Vamos ver quem é gordo agora?

Pelas horas de espera, o paraguaio provavelmente deve estar colhendo os ingredientes de sua hortinha.

A comida chega e desesperado pela falta de nutrientes me atiro na porta. Pratos e talheres em punho, retiramos as tampinhas das odiosas quentinhas metálicas (odeio quentinhas...são sempre molengas) e...booom.

Nada explodiu, peste, foi apenas um efeito lingüístico. Mal empregado, admito.

A tal lasanha se resumia a uma gororoba verde peçonhenta. Não se sabe ao certo o que os paraguaios entendem por ricota, mas definitivamente não havia nenhuma ali. O treco era nada mais que gigantes fatias de berinjela boiando em uma água verde de espinafre, ou seja lá que diabos for aquilo. Gordo só se fode!

Renata tranqüila ostenta a vitória em seu rosto enquanto degusta sua batatinha. Afinal, ainda que meio sem gosto, uma batata é sempre uma batata.

Bruno mexe o troço com o garfo e, inconformado com a ausência de ricota, espragueja céus e terra.

No ímpeto de colocar algo com o mínimo de tempero na boca, tateio minha gaveta. Um pacotinho encontra meus dedos ao som de anjos cantando Aleluia. Sem pestanejar, rasgo a pontinha e despejo o conteúdo fartamente sobre a lama esverdeada.

Agora ela tem gosto. Um gosto doce, como pode?

Qual foi a minha surpresa ao perceber que, na verdade, despejei quilos de adoçante sobre a já nojenta lasanha.

Duas garfadas mais e lixo. Assim vou ficar realmente magro rápido. E morto de inaninação.


>>>>Ilustração by Mr. Bunny Bruno Bottino

segunda-feira, julho 02, 2007

Quem é vivo sempre aparece

Eu não morri. Não estou envolvido no caso Renan Calheiros. Não entrei para seita alguma. Não estou voando no balão da Mastercard. Não tentei entrar ilegal nos EUA pelo México.

Nada disso.

Sucede que estava viajando a trabalho por milhares de cidades do interior de Minas Gerais e São Paulo e por ter me tornado um eremita, meu acesso à internet era pífio. É isso.

Depois de uma semana sem ouvir tiros ou ter notícia de assaltos, voltei ao Rio e ainda me encontro tentando me sintonizar no mundo. Parece que passei anos em coma e agora que o muro de Berlim não existe mais, está tudo uma zona.

Deixando Adeus Lênin de lado, realmente não há tempo de respirar sequer.