Ministério da Saúde Adverte: sinusite faz mal ao bolso
Puxou meus olhos, enfiou luzinhas em meus ouvidos e ainda abriu minhas podres narinas, das quais eu gosto muito, com uma pinça metálica. Fez alguns sons e se pôs a prescrever uma receita que me levou mais de cem reais e que não incluía nenhum antibiótico.
_Esses médicos hoje em dia têm medo de remédio. Não gostam de remédios esses médicos, nunca vi disso – bradou titia com sua sabedoria nostálgica na certeza de que tudo era melhor no Méier da década de 50.
A cabeça continuou pesando e doendo e foi piorando tudo assim além da conta. Convencido por mamãe, fui parar na emergência de um outro hospital aqui bem perto de casa. Não parecia o mesmo, pois uma reforma deu ares de cenário de novela global ao lugar com móveis em madeira tabaco e cadeiras modernosas na recepção. Achei jovem.
As recepcionistas eram as de sempre, mas também estavam recauchutadas com cabelos bem presos e muito mais sombra em cores chamativas acima dos olhos. Por um instinto marqueteiro procurei por placas de patrocínio Avon, mas nem tudo ainda está vendido.
Elas pareciam estranhamente felizes com isso, digo, com suas pestanas coloridas. Se a dor de cabeça não me impedisse formular qualquer palavra, sentaria com elas para um papo franco sobre como o uso de tanta sombra as deixa com um ar noventista de propaganda da Benetton Colors, antes das polêmicas de Oliviero Toscani.
O médico também era novo, mas era mais bem sucedido em apresentar um ar senil. Ficou comigo cinco minutos e enquanto me ouvia, uma enfermeira apareceu sorrateira para tirar meu sangue. Ela não tinha sombra, o que achei bem providencial para alguém que enfia agulhas nas pessoas.
Pediu-me que esperasse em outra recepção para fazer um raio X de face. Lá encontrei os móveis antigos desovados e nenhum vestígio do clima hype da entrada. Mamãe já tinha feito amizade com uma peruana que também esperava pelo exame. Em vão busquei me interar do assunto. Já tentou falar espanhol com cefaléia?
Impraticável.
Mamãe continuou no seu empenho em superar a barreira dos idiomas diferentes e não se acanhava em fazer gestos largos. A meu ver, a peruana não entendia nada, coitada. Mas mesmo assim mamãe contou-lhe animada todo o histórico de doenças que eu e meu irmão tivemos ao longo da vida.
Fiz o bendito raio X e depois de horas de integração latino-americana que só me fazia pensar em o quanto Bolívar ficaria satisfeito, fui chamado pela mesma moça que tirou meu sangue. Polivalente ela, não? Além do trato com agulhas, é extrovertida e tem traquejo social para lidar com pessoas. Novas exigências do mercado de trabalho – pensei.
O doutor mostrou-me meu crânio em contra luz. Senti-me meio desnudo, sei lá. Mal nos conhecemos e ele já vê minhas intimidades sem nem me oferecer um café. Não ofereceu mesmo. Enveredou-se por escrever uma receita com todos os remédios que os representantes farmacêuticos buzinaram-lhe no ouvido este mês. Nunca subestime o poder de bloquinhos, canetas e amostras grátis.
Na farmácia tive ânsia de vômito quando o atendente me disse que o total da receita era de 300 reais. Quase catei minha sinusite e fui para casa tentar uma solução harmônica para o nosso relacionamento. Nem acho ela tão ruim assim e o nome é inclusive sonoro, si-nu-si-te.
Cantei, dancei a polca e fiz de tudo na farmácia para pedir um desconto, mas o gerente tinha uma pedra de gelo em lugar do coração, aquele mequetrefe. Paguei os malditos vários reais (trezentos para ser exato) e fui-me embora todo pobre.
Olha, vai dar morte se esse antibiótico não me colocar sambando em alguns dias. Não quero nem ver...com sombra ou sem sombra, eu vou botar o hospital abaixo.
Minha mesa da cabeceira, ô que faceira!
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